ser mulher...

terça-feira, 12 de junho de 2012

Machismo virtual e atual


“Gostosa!”, gritam na rua. Há quem se sinta envaidecida. Ou não. Monique Oliveira, 26, produtora de TV, acha uma falta de respeito. “Porque tá entrando na minha intimidade, pensa que é homem e pode fazer isso...”, ressalta. Além da invasão de privacidade, para ela “é machismo em alto grau”. O dicionário Aurélio apresenta o significado para o adjetivo: “Gostosa - 1. Que tem bom gosto; saboroso. 2. Que dá gosto ou prazer. 3. Alegre, contente”. Opa! E mulher é comida para ser “saborosa”?

A prática recorrente de assédio a mulheres em locais públicos, e até mesmo na internet, caracteriza-se como machismo. A linguista Talita R. da Silva, que escreve para o Blogueiras Feministas, refere-se ao ponto em um de seus textos. “Não nos vestimos para agradar aos desejos sexuais dos homens, por isso não nos interessa quais são suas opiniões ou desejos diante de nossos corpos, simplesmente, porque não somos corpos, somos pessoas, que possuem sentimentos e, também, medos”, registra. Em seu texto, a autora defende a ideia de que mexer com mulheres na rua, ou seja, expor uma opinião ou adjetivo constrangedor não solicitado, é machismo por desrespeitar a mulher como indivíduo, enxergando-a apenas como corpo, objeto.


Filósofo dedicado a pensar a cibercultura, Pierre Lévy pontua que a Internet é um campo onde ocorrem disputas de poder. “A total liberdade de palavra é encorajada e os internautas são, como um todo, opostos a qualquer forma de censura”, escreve. Pierre Lévy entende o virtual como “extensão do potencial do humano”  e não como “desrealização do mundo”. No universo virtual, as pessoas, exprimem conflitos, desenvolvem amizades e alianças intelectuais, “exatamente como entre pessoas que se encontram regularmente”. Daí, o fato de o machismo também estar presente nesse universo, havendo também contra ele resistências.

O que é machismo, mesmo?
O dicionário Michaelis define machismo como “um comportamento de quem não admite a igualdade de direitos para o homem e a mulher”. Todavia, essa definição não abarca tudo. Como aponta Ana Pagamunici, da Secretaria Nacional de Mulheres do Pstu (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), definir o machismo é mais complexo. Ana Pagamunici o classifica como ideologia dominante, forma de opressão e invenção da sociedade de classes. “Chamamos de opressão toda conduta ou ação para transformar as diferenças em desigualdades, de forma que estas sejam utilizadas para beneficiar um determinado grupo em relação a outro”, conceitua.

Para além das definições políticas ou acadêmicas, os depoimentos exemplificam e reforçam o significado. Dani Guerra, 21, estudante de Jornalismo, fala de como experimenta o machismo no cotidiano. Cearense radicada em Belo Horizonte, irrita-se com as piadas e o assédio que recebe na rua. Ela conta que, nos primeiros vinte dias na cidade mineira, ficou preocupada, pois levava cantadas todos os dias ao andar com shorts curtos. “Meu pai disse que era para eu parar de andar assim, já que existia diferença cultural. Mas eu num parei não”, desafia. Ela entende que as mulheres sofrem com práticas machistas o tempo todo e sabe que não podem revidar, porque já viu, por vezes, amigas sofrerem violência.

O machismo não fez Dani Melo, estudante, não
mudar seu modo de se vestir

Na internet, as práticas machistas podem ser tão agressivas quanto às praticadas nas ruas. No Twitter, certos perfis fervem o sangue de algumas mulheres. Raiva? Indignação? Barbara de Salvi, 29, designer gráfica, refere-se ao Clube do Macho que traz em sua página: “defendo a cura da TPM com voadoras”. John Rambo, pseudônimo do proprietário do perfil, respondeu à Vestida que a frase não prega a violência, já que as “voadoras” podem ser dadas pela e não na mulher. A designer gráfica acredita que o perfil trata as mulheres como objetos. “Certeza que é de gente distante de mulheres”, opina Barbara.

O Clube do Macho esclarece que o tratamento é uma metáfora. “Não se pode considerar um tweet de 140 caracteres uma tese de vida”, assevera.  O perfil citado pela designer explica, em seu site, que “ser machista significa que você não faz coisas que considera atitudes ou atribuições de heteroboiolas e de mulheres”.

É real e é virtual
Em entrevista à Unb Agência, a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília Ela Wiecko fala sobre como as redes sociais podem servir para incitar valores positivos e valores negativos. “Na internet, o grande facilitador é o anonimato”, conclui. Para teóricos como Pierre Lévy, não existe uma oposição entre real e virtual. “O virtual não substitui o real, ele multiplica as oportunidades para atualizá-lo”.

Natália Guerra, estudante, lembra o site silviokoerich.org, que foi retirado do ar pelo Polícia Federal em março deste ano. O site incitava o machismo, o preconceito e a violência. “Eu sabia da existência dele, vi toda a movimentação, mas eu não queria ficar lendo nem respondendo. Só que, é claro, eu achava um tremendo absurdo. Mais ainda por saber que, hoje em dia, ainda tem gente que pensa daquele jeito”, espanta-se.

No site de relacionamentos Facebook, vários usuários, inclusive o perfil do Departamento de Polícia Federal, solicitavam denúncias para o site. Segundo o portal da PF, até o mês em que saiu do ar, foram registradas 69.729 denúncias a respeito do conteúdo. Ainda em março, a Polícia Federal do Paraná identificou e prendeu os suspeitos pelas postagens criminosas. O nome do perfil era falso e os acusados responderão pelos crimes de incitação e indução à discriminação ou preconceito por meio de recursos de comunicação social (Lei 7716/89) e outros dois crimes.

Luka Franca é blogueira feminista

“A internet é parte da sociedade, e um elemento da super-estrutura, então pra mim é meio óbvio que o machismo existente na sociedade ‘real’ se representaria nesta super-estrutura também, talvez mais recrudescido por conta dos pseudônimos e fakes”, acredita Luka Franca, jornalista que escreve para o blog Blogueiras Feministas. Outra autora desse grupo é a bibliotecária Deh Junqueira, 36. Conectada por oito horas diárias, escreve blogs desde 2001. Levar ideias com rapidez e para um público que não acessaria espontaneamente o blog, é para ela, um dos poderes das redes sociais. “Elas também permitem o estabelecimento de uma rede poderosa de contatos, entre pessoas, entre grupos, as ideias viajam de um lado pra outro”, elenca.

Jackson Cruz, 24, coordenador de Mídias Sociais do Grupo O Povo de Comunicação, passa 12 horas diárias na rede. Diz acessar nove redes sociais diariamente e sconsidera machista em alguns pontos. “As redes sociais são uma extensão do que somos no off”, pondera.  Diversidade em ideias, valores, pensamentos. Deh Junqueira aponta outro fator que contribui para isso: “não há a mediação de uma política editorial de emissora, por exemplo”. Segundo ela, a repercussão e a interação são maiores no ambiente virtual e os questionamentos chegam com mais facilidade à pessoa que produziu a informação.

E as mulheres sabem reconhecer onde está o machismo, seja nas redes sociais ou fora delas? “Acho que é muito difícil”, acredita a blogueira Luka Franca. E esclarece que a dificuldade está na formação e na educação que temos, “em um sociedade na qual o machismo é muito arraigado, naturalizado”. Para a blogueira, o machismo se torna mais evidente em momentos extremos como os de violência. “Apesar disso, a virtualidade não é mero espelho das relações sociais cotidianas, devido a algumas razões, como o certo vazio jurídico”, observa Daniel Fonsêca.

Cotidianamente, a avalanche de imagens compartilhadas em sites como o Facebook podem disfarçar imagens com valores machistas. Joana Vidal, comunicadora popular, lembra de uma imagem que viu, na qual uma mulher seminua, numa posição sensual, mudava o canal da TV. Abaixo da foto, a legenda: "a melhor forma de mudar o canal de TV". Ela avalia a imagem como machista e questiona: por que essas imagens que apresentam mulheres têm sempre conotação sexual? E por que mudar o canal, assim como qualquer tarefa dentro de casa, é atribuída à mulher? Joana observa ainda o padrão de beleza da moça na foto. “Não seria uma gordinha, e se fosse, seria uma piada”, acredita.  A comunicadora atenta para a transformação da mulher em objeto, que precisa adequar-se a padrões de beleza e comportamento.

Blogs feministas
Análises de conteúdos machistas surgem em páginas dos blogs feministas. Um ponto em comum entre as blogueiras feministas entrevistadas é o belo laço que têm com o feminismo. Tanto Luka Franca quanto Deh Junqueira afirmam o quanto essa busca pela igualdade de gênero está presente não só nos seus textos. Deh Junqueira sublinha que o feminismo está em suas ideias, ações e nas menores coisas. E enfoca que “há uma carga imensa de preconceito associada ao feminismo”. Luka Franca identifica o Blogueiras Feministas como espaço amplo e fundamental. “Lá tem de tudo, cada uma trata de temas mais ligados a sua realidade e ao que vem estudando e produzindo. Acho que ajuda na produção de conteúdo contra-hegemônico na disputa ideológica”, elucida.

O Blogueiras Feministas reúne postagens
feministas sobre temas da atualidade

O público do Blogueiras Feministas é majoritariamente formado por mulheres. Mas os meninos também se somam ao debate. Daniel Fonsêca conta que sempre lê, pois tricota uma relação com o feminismo desde 2001. “Há uns três anos, mantenho uma espécie de 'mala-direta' com cerca de 20 militantes feministas para a qual envio notícias, artigos, releases, imagens, vídeos”, explica. BlogueirasFeministas e Biscate Social Club são os blogs preferidos de [estudante?] Dani Melo, [idade?]. “Eu adoro! Você fica sabendo de coisas que não saberia por outros meios e reflete sobre suas próprias práticas”, expressa.

Outro blog feminista é o Escreva Lola Escreva. Escrito por Lola Aronovich, 45, professora universitária, é o maior blog feminista do Brasil em número de visitas, segundo ela. Lola fala que a importância de escrever conteúdos feministas está em chamar a atenção para o que passa despercebido. “O maior elogio que costumam fazer aos meus posts é ‘Nunca tinha pensado nisso antes’”, explica. O blog é, para ela, uma oportunidade de analisar o mundo com uma visão crítica, que depois de adotada, vai ser sempre usada. “ Isso não é necessariamente bom (a ignorância pode ser uma benção). Por outro lado, só assim podemos começar a mudar a sociedade”. 

Blogs masculinos
Alguns blogs masculinos tem conteúdo considerado machista. Um deles diz que “mulher boa é mulher pelada”. Há feminista que se enraiveça, há quem somente ignore. “Ah... Já li, tem algumas coisas até engraçadinhas, mas em geral é uma ‘besteirada’ sem conteúdo”, considera Luka Franca. Resta saber a opinião dos homens. O ilustrador Tito Marques, 22, conectado por dez horas diárias, não se considera machista, e brinca, “agora vá me fazer um sanduíche”. Ele propõe que se as postagens mostram mulheres iguais, é porque há quem compartilhe esse tipo de postagem e queira vê-las assim.”.

Imagem publicada no blog Testosterona, na
postagem "Campanha Silêncio no Trânsito"

Já Ricardo Aiolfi, 22, estudante capixaba, reconhece que “muitas opressões são reproduzidas diariamente por nós mesmos sem que tenhamos conhecimento”. Ele passa mais de seis horas por dia na internet e também não se vê como machista. Contudo, Rick destaca os debates como forma de superação do machismo. “É uma sociedade toda pautada na exploração da mulher como objeto, como serva/submissa ao homem”, reitera.

O músico e estudante cearense Israel Simonton, 23, lê blogs masculinos de vez em quando. “Acho o máximo. Temos que tratar o humor como humor. Apenas. Não existe humor racista, machista, feminista, comunista, republicano, pobre ou rico”, minimiza. Isabelle Ricart, atriz, discorda. Ela coloca que “se alguém acha que uma sucessão de piadas denegridoras é engraçada, isso demonstra um preconceito real”.

A atriz carioca, Isabelle Ricart, lê blogs masculinos também vez ou outra. Não partilha de grande parte do humor do Testosterona -  blog masculino que traz textos e imagens de e sobre mulheres -, e acha as piadas forçadas. Israel deduz que “uma situação machista, hoje não fere a mentalidade de uma mulher segura, que sabe dos seus objetivos e convicções”. Vestida tentou entrar em contato com Eduardo Mendes, fundador do blog masculino Testosterona, mas ele não respondeu aos e-mails enviados.

Mas nem todos os blogs masculinos depreciam a mulher. Existem exemplos positivos. Um blog masculino que faz um contraponto à postura machista é o Área H, que segundo a estudante Camila Monteiro, é tem um conteúdo mais aprofundado. “Pelo pouco que li, ele é mais um guia masculino do que um guia de degradação da imagem feminina”, diferencia.

Ferramentas virtuais
Os blogs feministas tentam discutir justamente o machismo que as mulheres, por vezes, não percebem. A blogueira Luka Franca reafirma que as redes sociais são apenas uma ferramenta e que “é inócuo se não tiver organização real nas ruas”. Quanto aos comentários, ela propõe que eles “enriquecem os posts, e é onde podemos tirar temas para outros posts, compreender os pontos de vista de quem não concorda conosco também”. Daniel Fonsêca pensa que os homens também têm de dialogar e contribuir para a construção da igualdade de gênero. A blogueira Deh Junqueira sugere com relação ao machismo: “gostaria de pensar que são ideias que podiam começar a enfraquecer conforme o sexismo fosse sendo deixado pra trás; é um negócio datado, obsoleto, pesado”. 

Páginas como Feminismo na rede compartilham
conteúdos feministas, de resistência

Outro passo para combater o machismo on e off-line é ficar atenta, e atento, aos conteúdos partilhados em blogs e em sites de redes sociais. A estudante Dani Mello opina que algumas mulheres aprendem a conviver com o machismo, tomam-no como um traço cultural. “É a velha história de uma mulher que trabalha, quer ser independente, mas quem paga a conta toda do cinema, do restaurante ou da casa é o homem”. As resistências ao machismo como conjunto de valores são expressas no virtual, tanto quanto nas ruas. Essas resistências expressam os anseios pela liberdade de escolha do ser mulher.


segunda-feira, 11 de junho de 2012

Pontos de vista


Camila Monteiro, 22.
Estudante de Publicidade e Propaganda.

Postagem machista: 
Impossível apenas uma postagem por que o blog inteiro é machista. Mas essa: http://migre.me/8SVA4
Postagem positiva: 
Por que cerveja light faz bem pro corpo e pra mente, e mulheres bebem sim! http://migre.me/8SVAR

*   *   *

Daniel Fonsêca, (Fonfas), 29. 
Jornalista.

Postagem feminista boa: 
“Porque expõe um debate latente, necessário e urgente: o machismo na esquerda: http://migre.me/8SWhQ”.
Postagem feminista ruim: 
Não me lembro agora, mas citaria qualquer uma que generalize o machismo”.




Isabelle Ricart, 19.
Atriz e estudante.

Postagem machista: 
No Testosterona encontramos diversas, mas a mais evidente...  http://migre.me/8SWGL
Postagem positiva: 
Gostei de uma do Área H falando sobre relacionamentos com mulheres que tenham filhos. http://migre.me/8SWSp

Feminismo não é o oposto de machismo!


Blog feminista:

Foto: Alberto Mesquita

“Por fim, depende de nós disputar os homens também para o combate a uma sociedade patriarcal e machista, pois concretamente quando a água bate na bunda dos homens é por que já nos afogou há bastante tempo. Agora a questão é: Quais mecanismos nós feministas desenvolvemos para disputar a consciência dos homens para que eles compreendam que nossas pautas não são a cereja do bolo, mas parte importante da massa deste bolo?”

Fonte: blogueirasfeministas.com



Blog masculino:



“Quando vocês estão fritando um ovo, nós não fazemos isso: Cuidado, cuidado, joga mais óleo na panela! Vai grudar no fundo. Cuidado! Vira, vira! Não esquece o sal, já virou o ovo?  Vira esse ovo! Vai queimar essa porra!”

Fonte: testosterona.blog.br